domingo, 21 de setembro de 2008

Sobre a inegável predileção das mulheres por tipos cafajestes (2ª parte)

Não, leitoras, não lhes darei um calote literário. Embora com um atraso ultrajante, venho aqui quitar a 2ª parcela da minha dívida do texto sobre a predileção das mulheres por tipos cafajestes. As razões que me obrigaram a tal atraso são tantas e tão sérias que convenceriam até mesmo a mais intolerante e mais cética das leitoras. Menciono apenas uma, dentre muitas: o mal-entendido e a revolta que a 1ª parte do texto causou em algumas visitantes deste blog, as quais me atiraram tantas pedras que por pouco não fui enterrado no túmulo da vergonha. Vezes houve em que por pouco é que não escapei da agressão física. A agressão verbal virara rotina. Sendo assim, devem compreender o quanto alguém feito eu, tão bem intencionado para com essas pequenas, tenha ficado desestimulado para prosseguir. Mas agora que silenciaram as feridas abertas pelo azorrague da ingratidão, recobro a coragem para responder à questão que me propus analisar. Aliás, não poderia deixar de cumprir com este dever mesmo diante das maiores ameaças, pois não quero sob qualquer hipótese deixar desamparadas as muitas outras leitoras que tiveram sensibilidade para compreender a importância do tema e que têm me cobrado durante todo esse tempo a continuação do texto. E quem sabe se, com a ajuda da sorte, não encontro aqui também o ensejo de me fazer entender mesmo às leitoras encolerizadas?

Dada essa satisfação incontornável, passemos depressa à análise do tema, a fim de que não insistam por aí na acusação de que sou cerimonioso demais nos meus textos (São complicadas as mulheres: têm o hábito de se queixar da nossa falta de cerimônias, acusando-nos de querer ir sempre ‘direto ao ponto’, mas aqui queixam-se precisamente do contrário).

Bem, a primeira observação brilhante a ser feita vem de um amigo de quem morro de inveja por isso e por outras. Esse escavador da alma humana, dando fino polimento às asserções do senso comum, diz que não é que o sonho de toda mulher seja ter um homem cafajeste, mas que, no fundo, o sonho de toda mulher é converter um homem cafajeste. Todavia, boa parte das mulheres não tem consciência desse desejo. Boa parte delas juraria que deseja para si um homem bem comportadinho. O problema é que, quando esse ser quase mitológico aparece, o que acontece? Simplesmente o desprezam assim como um cego despreza uma fotografia. Por outro lado, não raro se vêem fatalmente atraídas por um tipo oposto, do qual juravam querer distância. Isso porque esse último é sem dúvida mais desafiador e mais intrigante que o primeiro. Veremos por quê.

Esse sonho de converter um cafajeste só poderá ser devidamente compreendido se voltarmos ao tema clássico da rivalidade entre mulheres. Fico tentado a não me demorar nesse ponto, mas, como já posso adivinhar que algumas leitoras insistiriam em teimar aqui, é preciso empenho para dar-lhe o desenvolvimento necessário a fim de que seja convincente até mesmo àquelas que porventura estejam no apogeu da sua TPM. A rivalidade em pauta é tão séria que levou uma professora de psicanálise competente e honesta a afirmar em tom confessional que é complicado falar em ética entre mulheres. Aliás, mesmo as gentes de pouca instrução não ignoram isso. É comum ouvirmos falar, por exemplo, que uma mulher se arruma menos para chamar a atenção dos homens que para causar admiração e inveja às outras mulheres; ou ainda que, para uma mulher, ser bonita não é o bastante quando há outras que a excedem em beleza, graça e charme: é preciso ser a mais bonita, ser melhor que as demais. Ora, como se pode ver, essa arenga epopéica é reconhecida tanto dentro quanto fora dos muros da academia, o que é um sinal significativo de sua realidade. No entanto, muitas ainda se recusam a enxergá-la, e é por isso que pretendo gastar mais dois ou três parágrafos tratando de evidências suas. (Como é dura a tarefa de querer mostrar o óbvio)!

Vejam que interessante: muitas não se importam caso o namorado veja revistas de mulher pelada, mas seriam capazes até de escândalos carnavalescos caso o flagrassem com olhos de sede voltados para uma qualquer que passa na rua, independentemente desta última estar descomposta ou não. Qual a verdadeira diferença entre uma situação e outra a ponto de provocar reações tão diversas? Você poderia pensar que o problema está no perigo da ‘mulher da rua’ corresponder aos olhares do namorado indiscreto, coisa que a mulher da revista jamais poderia fazer. Mas acho que ainda não é isso. Afinal, cenas como essa surgem mesmo quando é completamente impossível que a mulher da rua corresponda. Logo, o problema não está em ser correspondido ou não. O problema real, me parece, é que essa situação poderia dar o direito à outra de se sentir superior à namorada do rapaz, o direito de sentir-se mais bonita, mais desejada... E olhe que aquela fulana, em tal situação, poderia até estar rindo por dentro da moça que não é capaz de colocar rédeas nem viseiras no namorado. Isso é que é inaceitável: sentir-se diminuída! E a única coisa pior que sentir-se diminuída em relação a uma desconhecida é sentir-se diminuída em relação a uma conhecida. Aí está um caso típico dessa briga cotidiana.

Passo agora ao relato de uma história inteiramente verídica, apenas alterando o nome das pessoas envolvidas a fim de preservar-lhes a reputação. Duas conhecidas minhas, Elisa e Aline, eram tão amigas quanto duas mulheres podem ser: gostavam-se até! Mas tudo mudou depois do dia em que Aline perdeu seu namorado para uma terceira, a Carlinha. Pois bem, depois desse dia Aline mudou do vinho para a água. Foi tomada de uma obsessão febril por roubar todo e qualquer pretendente de Elisa. Implacável, não deixava escapar nada. No começo, roubava só uns paquerinhas de pouco prestígio, mas, depois que tomou gosto pela coisa, levou a outra a desmanchar até noivado. Se pudesse, Aline roubaria até o pai de Elisa... E olhem que tentou! Só não descrevo em minúcias como se deu essa tentativa escandalosa porque tenho certeza de que as freqüentadoras deste blog são respeitosas demais para se interessarem por histórias assim. Pois bem, que germinação diabólica teria se processado no subsolo do psiquismo de Aline a ponto de ter feito brotar a flor horrenda da deslealdade? O que me parece, leitora, é que foi tudo uma questão de vaidade. Quando perdeu seu namorado para Carlinha, Aline sentiu-se desprezível, assim como é uma fotografia para um cego. Era duro engolir essa derrota ultrajante! Nunca se sentira tão humilhada, nem mesmo quando seu time de coração, o náutico, apanhava feio para o Sport (portanto, pasmem: a rivalidade entre mulheres é tamanha que chega a superar aquela entre o náutico e o melhor time de Pernambuco, campeão da copa do Brasil 2008). Mas onde Aline vem encontrar consolo? No fato de que talvez pudesse se sentir melhor que a amiga (melhor não do ponto de vista moral, é claro, mas do ponto de vista estético, que Aline considerava mais elevado). Isso é o que ela sentia a cada namorado, a cada ficante, a cada paquerinha roubado da pobre Elisa. E assim, presumia não estar nada mal no ranking das mulheres e podia, portanto, continuar vivendo, fazendo de cada homem roubado um banquete para sua vaidade.

Ora, histórias como essa são muitas. Todo mundo conhece várias. Eu mesmo conheço tantas que daria pra encher uma biblioteca. Todavia, basta essa, por representativa que é, para ilustrar a guerra em pauta. Quem desejar uma fundamentação psicanalítica dessa rivalidade poderá ler qualquer coisa sobre a dissolução histérica do complexo de Édipo na mulher. Isso leva a entender como a menina, que a princípio rivaliza com a mãe pelo falo do pai para não se sentir castrada, transfere posteriormente essa rivalidade para com outras mulheres, com quem disputa.

É tendo esse conflito homérico em vista que podemos entender porque o tipo cafajeste está em melhores condições de satisfazer os caprichos e as ambições da vaidade feminina. Que grande troféu ele é para a mulher que porventura o converta! Imagine, leitora, que um homem que poderia ter várias ao mesmo tempo desistisse de todas elas para lhe dar exclusividade. Percebe o abismo que se revelaria entre você e as demais? Agora você teria uma espécie de certificado de superioridade inconteste, insofismável. Que coisa melhor se poderia desejar?

Um amigo que discutia comigo essas idéias e que enxerga futebol em tudo comparou a situação de uma mulher à de um goleiro. Um goleiro não quer levar gols, certo? Todavia, para mostrar que é talentoso, deve, de certo modo, torcer para que o time adversário crie situações perigosas, só defensáveis graças à sua habilidade notável. Analogamente, uma mulher normalmente não quer ser traída. Todavia, onde estaria seu mérito caso seu par fosse fiel pelo simples fato de que não oferece nenhum perigo, isto é, pelo simples fato de que nenhuma outra se interessa por ele? Não. A fidelidade deve ser o resultado de uma opção, e não de uma limitação do homem, deve ser o resultado de uma escolha de abdicar de várias em prol de uma única, por especial que esta é. Obter esse tipo de fidelidade só seria um grande feito para uma mulher caso se tratasse de um homem difícil de converter. Percebem o quanto ele se revelaria mais desafiador, mais intrigante pelo próprio perigo que representa? E quem seria o tipo mais perigoso? Para o goleiro seria talvez um bom centro-avante; para a mulher, um bom...

Mas findo aqui a segunda parte do meu texto, que é melhor encerrar uma conversa antes dos assuntos do que fazer o contrário. Adianto apenas que a terceira parte está imperdível. Nela, tento incitar os homens a se adequarem a esse estranho padrão de gosto feminino. Afinal, nossas mulheres guerreiras merecem o tipo de homem com o qual tanto sonham.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Crônica de uma partida imortal

(Sei que ainda lhes devo, leitores, a segunda e a terceira partes do meu texto sobre a inegável predileção das mulheres por tipos cafajestes. Pagarei a dívida em breve, mas ocorre que o acontecimento histórico da última quarta obrigou-me a interpolar aqui a crônica desse evento inesquecível).

Quem esteve presente na ilha do retiro nesta última quarta-feira dia 11 de junho de 2008 para a ocasião do jogo imortal que concedeu ao Sport o título inconteste de campeão da copa do Brasil pôde sentir na pele que o tempo real de uma partida excede em muito o tempo oficial dos 90 minutos. Oficialmente, uma partida se inicia quando o árbitro apita, autorizando a saída da bola, mas nós, os leoninos implacáveis, sabíamos muito bem que, na realidade, a nossa final gloriosa contra o corinthians havia se iniciado desde o momento em que os portões se abriram e os torcedores puderam adentrar o estádio, pois à nossa torcida rubro-negra cabia o papel fundamental de preparar o palco da vitória, enfeitando-o com as cores, os cantos e os gritos do nosso time.


E como cumprimos maravilhosamente com o nosso dever! Tão alto era o nosso canto em uníssono que se fazia ouvir pelo Recife inteiro e além. Quando os nossos heróis entraram em campo, tantos foram os sinalizadores acesos que o estádio permaneceria iluminado ainda que se apagassem todos os refletores e as luzes todas da cidade. Em meio a nuvens de fumaça, tantas eram as chamas incandescentes, semelhantes a estrelas fulgurantes, que tínhamos a impressão de que a ilha do retiro havia se elevado aos céus para que Deus - que fez questão de avisar pessoalmente ao profeta Carlinhos Bala que o título seria nosso - pudesse contemplar o espetáculo torcendo também pelo Sport.

Pois bem, era este o cenário quando entrou em campo a grande protagonista da partida imortal: a bola! Sim, leoninos, quando a bola, de lá do centro do meio-de-campo pôde vislumbrar o esplêndido palco da vitória, ocorreu algo de singular que foi decisivo para o resustado: não resistindo ao apelo da multidão rubro-negra, a bola, abandonando toda a imparcialidade que lhe é característica, todo o seu profissionalismo costumeiro, decidiu que jogaria a favor do Sport. Éramos numericamente superiores não apenas na arquibancada mas também em campo, onde jogamos desde o início com doze jogadores, se contarmos com a bola recém convertida. Aquela bola, meus amigos, era dotada de tanto bom senso que se deixou imbuir de uma alma rubro-negra. Era impressionante como obedecia fielmente aos comandos da nossa torcida. Entre ela e os nossos gritos e apitos havia uma espécie de ligação magnética misteriosa, de modo que tanto podíamos, nos momentos mais críticos, repeli-la para longe da nossa barra como conduzi-la para as vizinhanças da barra do adversário. E a bola rubro-negra a tudo obedecia com a presteza maior que a de um cachorro adestrado.

Sei o quanto parecerá extravagante àqueles que se deixaram impregnar de uma visão excessivamente científica do mundo a minha tese da tendenciosidade da bola, mas gostaria de lembrar a tais pessoas que o futebol sempre esteve a contrariar as estatísticas, a lógica, os cálculos e também as leis da natureza. Futebol é pura mágica! Não adianta querer explicá-lo com base unicamente numa objetividade fria:um jogo tão apaixonante requer uma ótica apaixonada, uma interpretação mais sutil e mais sofisticada. Só assim poderemos compreender, por exemplo, a perca do gol de Herrera. Amigos, quem assistiu ao jogo sabe que nem uma velhinha de 80 anos deixaria aquela chance escapar. Sendo assim, não podemos ser ingênuos ao ponto de acreditar que um jogador corinthiano do nível de Herrera, que joga quase tão bem quanto um jogador genuinamente brasileiro, tenha chutado errado. Não. Definitivamente ele chutou certo; a bola salvadora é que desviou propositadamente da barra leonina.

Por fim, acho que o gol de Luciano henrique poderá dirimir quaisquer dúvidas acerca da validade da minha tese e persuadir mesmo os mais céticos e frios. Aliás, eu diria que apenas oficialmente é que o gol foi de Luciano Henrique, pois a realidade é que houve o esforço coletivo de um trio: ele, Enílton e a bola. De fato, o chute de Luciano foi um chute acanhado, tímido, desengonçado até. Apesar de ter sido um dos chutes mais importantes da história do futebol, não teria por si só força bastante para fazer a bola entrar, mas eis que Enílton se encontrava perto da barra fingindo que ia tentar cabecear quando seu propósito real era, na verdade, confundir e atrapalhar o goleiro corinthiano. Todavia mesmo assim, camaradas, isso ainda não teria sido suficiente para engabelar o experiente Felipe. Também não podemos ser ingênuos ao ponto de crer que tal goleiro tomaria aquele frangueiro ultrajante caso não houvesse a participação voluntária da bola heróica. Ela foi decisiva e tomou propositadamente o caminho da única brecha que encontrou, entre as pernas do goleiro. E observem que ela só ultrapassa em poucos centímetros a marca do gol, precisamente aqueles centimetrozinhos a mais que o chute de Luciano precisava imprimir à bola.

No segundo tempo, embora não tenham surgido novos gols, o empenho da bola foi tal que só mesmo um milagre explica que o corinthians não tenha sido goleado. Sendo assim, gostaria de prestar aqui a minha singela homenagem a essa grande heroína rubro-negra da qual os jornalistas do Brasil inteiro se esqueceram. Ela não merece ser excluída do panteão da história e, se eu fosse o técnico Nelsinho Batista, convocaria essa mesma bola para participar dos nossos próximos jogos. Com esse grande trunfo, não duvido de que venhamos a ganhar não apenas a copa Libertadores da América, mas também o campeonato mundial.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Sobre a inegável predileção das mulheres por tipos cafajestes (1ª parte)


Venho cumprir, meus amigos, a promessa que lhes fiz na semana passada, procurando explicar com a maior clareza possível por que tantas mulheres preferem de longe os homens cafajestes. À maioria dos brasileiros, todavia – e confesso que sou um deles! –, não apraz pagar suas dívidas assim à vista, numa única prestação. Convém amortiza-las com parcelas suaves, preferencialmente sem juros. Peço, portanto, sua licença para parcelar este texto que lhes devo em duas ou três vezes, a fim de não comprometer nem o orçamento do tempo do autor, sempre tão insatisfeito com a pressa dos relógios, nem o do leitor, sempre tão cheio de afazeres da maior importância.

Tendo em conta o ousado título com que batizei este texto, posso já antever algumas leitoras encolerizadas, com dentes e unhas armadas contra o autor deste blog, dirigindo-lhe adjetivos nada gentis acompanhados da acusação de que está a apresentar uma visão falseada e depreciativa do gênero feminino. Peço licença, antes de qualquer coisa, para dizer a tais leitoras que há exceções. Sim, admito que nem toda mulher prefere homens cafajestes. É o caso, por exemplo, da minha mãe, que morre de amores pelo meu pai, homem muito honesto e bem comportadinho, eu garanto. Mas ainda assim gostaria de pedir a minhas caras leitoras que não se apressassem em se considerar exceções a essa verdade que é válida para a maioria das mulheres. Sei – ou melhor, imagino – quanto pode ser difícil admitir certas verdades a respeito de si, mas não há dúvidas de que, ao menos neste caso, será mais saudável e proveitoso do que não faze-lo. É tendo em vista unicamente sem bem-estar psíquico que dou esse conselho. Peço, portanto, que analisem a questão a partir de uma perspectiva tão neutra quanto possível. Guardem momentaneamente os adjetivos indelicados que me dirigem, o ódio visceral, a vontade de fechar para nunca mais tornar a abrir a página desse blog e ponham-se a analisar junto comigo este tema com um rigor quase científico. Esqueçam o que dizem esses machistazinhos levianos quando sustentam que as mulheres não são capazes de rigor lógico, científico, e provem-lhes com sua leitura analítica precisamente o contrário. E então, após uma leitura atenta, após um exame minucioso da questão, vocês finalmente poderão chegar à conclusão de que estou certo, desde que me tenham entendido.

Não me interessa aqui demonstrar argumentativamente essa predileção feminina por tipos cafajestes: ela é inegável; e soa deselegante tentar confirmar por meio de argüições aquilo que a própria experiência cotidiana vive a mostrar a cada um de nós. O óbvio ululante não apenas dispensa argumentações, condena-as. Não obstante, há quem se recuse a enxerga-lo; e o que poderemos fazer por tais pessoas senão esperar que o processo de amadurecimento lhes aguce o senso de observação?

O que me interessa é tentar compreender as razões desse fato evidente, o porquê dessa predileção que aparentemente contraria tudo quanto mereça o rótulo de bom senso. Gostaria de me valer, para tanto, do método dialético e examinar uma a uma as opiniões existentes a esse respeito antes de lhes apresentar a minha. Cheguei mesmo a coletar certo repertório de opiniões sobre o assunto, mas qual não foi meu espanto ao constatar que a maioria delas é desinteressante, indigna tanto da minha análise quanto da atenção do leitor. Duas delas, contudo, fazem exceção, e sobre essas sim, vale a pena se deter.

A primeira afirma que não é que os homens cafajestes se tornem mais atraentes, mas, ao contrário, que os homens atraentes é que tendem a se tornar cafajestes, uma vez que lhes é muito difícil não ceder às tentações poligâmicas que sempre se lhes insinuam. Ou seja, com relação a estes dois fenômenos que não raro aparecem conjugados – ser atraente e ser cafajeste –, aquele é que é causa deste, e não o contrário.

A segunda opinião, mais radical, diz o seguinte: na realidade, todos os homens são cafajestes por natureza; aqueles, contudo, cuja habilidade para seduzir só é suficiente para conquistar uma única mulher são tidos na conta de sujeitos fiéis e levam uma vidinha não condizente com sua natureza masculina; já aqueles mais hábeis, capazes de conquistar várias, tornam-se cafajestes de fato, efetivando assim aquilo que sempre foram potencialmente. Estariam a realizar, no fundo, aquilo de que todo homem gostaria, mas, como nem todos o conseguem, os fracassados mais frustrados se empenham em se vingar dos bem-sucedidos, rotulando-lhes de indecentes, imorais, e condenando tal conduta segundo os preceitos de uma moral oriunda do ressentimento.

Considero essas opiniões apenas parcialmente verdadeiras, mas não quero lhes dizer em que medida. Deixo a encargo do leitor e da leitora julga-las com maior rigor; não gostaria de priva-los neste ponto do privilégio e do prazer de pensar com os próprios botões. Digo apenas que essas idéias têm o mérito de nos fazer atentar para o fato de que ser cafajeste não está ao alcance de qualquer um; requer certos dotes naturais, certa vocação. Não basta querer ser cafajeste e – plim! – magicamente tornar-se mais atraente. Todavia – e este é o ponto de que as opiniões apresentadas não dão conta –, é também verdadeiro que os homens com talento suficiente para a cafajestagem tornam-se ainda mais atraentes aos olhos das mulheres quando assumem essa condição. E é esse fenômeno curioso que pretendo analisar detidamente na semana que vem, quando pretendo saldar a segunda parte da minha dívida. Verei se não atraso a segunda prestação desse texto.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Sobre a brilhante idéia de um consultório sentimental amoroso


Ocorreu-me, meus amigos, uma idéia genial. Decidi tirar férias da poesia, fechar temporariamente as portas às visitas casuais das musas; e antes que me acusem de ingratidão por fechar as portas assim a quem tão gentilmente se prestou a ajudar no caso aparentemente insolúvel de um aspirantezinho a poeta feito eu, devo dizer que sou movido por razões tão nobres que mesmo as musas me compreenderiam e certamente não apenas se prontificariam a tornar a auxiliar-me no futuro como também fá-lo-iam com tal benevolência e zelo que não duvido de que, nessas condições, eu viesse a produzir bons versos, dignos da sua leitura.
Dá-se que não posso mais ficar indiferente aos mil tormentos com os quais sofrem cotidianamente minhas pobres amigas; sobretudo quando constato que suas pequenas tragédias amorosas, causa de sofrimentos sem conta, poderiam ser, senão evitadas, ao menos atenuadas ou encaradas de modo mais maduro e saudável se lhes fosse dado conhecer certo repertório de noções básicas sobre o amor. Imaginem, por exemplo, quão minimizado poderia ser o sofrimento dessas pequenas se finalmente pudessem compreender o porquê da predileção das mulheres por tipos cafajestes ou ainda por que um dos maiores defeitos, no homem, é não saber mentir. Antes ainda que me tenham na conta de presunçoso por pretender oferecer certo saber a respeito de um tema tão complexo, cumpre lhes advertir, camaradas, que o que faço não é senão protestar contra o silêncio dos verdadeiramente entendidos no assunto. Eles, insensíveis aos sofrimentos dessas pequenas, simplesmente se recusam a orienta-las, como se tal saber fosse um segredo a ser guardado a sete chaves e que não possa ser revelado nem entre quatro paredes. Digo isso não porque desconheça a produção literária dos mestres de hoje e de outrora (sou dos que partilham a opinião de que os literatos não apenas se exprimem de modo mais elegante como também têm mais a dizer acerca da alma humana do que os próprios psicólogos), mas pela simples evidência empírica de que permanecem sem resposta as indagações dessas jovens corajosas que ousaram se aventurar cegamente nos labirintos do amor.
Ao deparar-me com tal situação, vi-me diante da exigência moral de assumir um dever cujas dimensões estão – não há dúvidas – acima das minhas capacidades: abrir um espaço neste blog para a confecção de uma espécie de consultório sentimental amoroso em que se pudesse contribuir para que dúvidas semelhantes às que me referi fossem, senão dirimidas, ao menos atenuadas. Para tanto, proponho-me oferecer minha visão particular acerca deste tema, a qual pude desenvolver ao longo de um sem número de observações, experiências pessoais, leituras, reflexões e discussões e que tem adquirido feições tais no decorrer desse processo que, honestamente, não a considero indigna de ser partilhada, ainda que em sua versão provisória, mesmo com leitores do nível de vocês.
Venho também lhes convocar a depurar com o mercúrio de suas críticas as reflexões aqui apresentadas e a enriquece-las com o ouro de seus comentários a fim de que possamos, coletiva e gradualmente, ir acumulando aquele tesouro de saber que de tanta utilidade poderia ser às minhas amiguinhas. A quem aprouver, deixo ainda aberto o espaço para que relatem seus pequenos dramas amorosos, a fim de que estes possam ser analisados e comentados por mim, por minha competentíssima equipe de mestres zombeteiros e por todos quantos suponham ter algo a dizer a respeito e queiram dispor deste blog. Acredito, assim, que os leitores poderão se beneficiar da diversidade de opiniões deste consultório.
Agora que pude lhes convencer de modo inequívoco de que é o dever moral que me compele à abertura do consultório, devo confessar que a idéia, apesar de brilhante, nada tem de original. Quem me conhece sabe que eu morro de inveja de Nelson Rodrigues por ter mantido na coluna de um célebre jornal carioca o próprio consultório sentimental, cujos melhores momentos foram posteriormente reunidos num livro que leva o título de uma das teses centrais do autor: “Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo”. Este livro (recomendações bibliográficas também fazem parte da minha proposta), cuja edição se encontra esgotada, foi para mim tão importante que costumo classificar minhas amizades em amigos para quem eu poderia empresta-lo (uns dois ou três) e amigos para quem eu jamais o emprestaria. Nele vocês poderão encontrar algumas verdades terrivelmente avassaladoras a respeito do amor, como, por exemplo, as que seguem, a título de ilustração: que a culpa é de quem foi traído e não de quem traiu; que, não obstante, no amor não há culpados nem inocentes; que a mulher perdoa sempre; que o verdadeiro amor é imortal; que o homem ganha com a distância; e, é claro, que não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo.
Imaginem agora qual não foi o impacto de uma tal leitura sobre um jovenzinho de 14 anos (idade que eu tinha quando por acaso o texto caiu-me em mãos). Amigos, ao final de cada dia de leitura eu sentia como se tivesse envelhecido sete anos. Cheguei a ficar assustado. Não queria ser privado do privilégio de aprender tais lições com a própria experiência; ademais, sentia-me possuidor de conhecimentos impróprios para a idade: uma criança de três anos que tivesse deixado de acreditar em papai Noel não se sentiria mais estranhamente precoce. Por isso, fiz questão àquela altura de esquecer os ensinamentos de Nelson Rodrigues e só há pouco vim resgata-los, quando preocupações de ordem moral levaram-me a temer pela sorte das minhas amigas infelizes e a mim se insinuou a idéia do consultório.
A concretização do projeto, contudo, encontrava sérios empecilhos. Afinal, o que poderia ser dito depois de Nelson Rodrigues ou Oscar Wilde? É difícil perdoar um escritor que diz tudo aquilo que gostaríamos de ter dito, sobretudo quando ele nos antecede em algumas décadas, não deixando, assim, a menor chance de nos anteciparmos a ele. Seria fácil perdoar Nelson Rodrigues, desde que ele viesse a nascer, digamos, daqui a uns 50 anos, mas evidentemente não é este o caso. Seja como for – notem –, eu precisava de razões mais nobres que a inveja pura e simples para abrir meu próprio consultório; também precisava aprender a lidar de modo mais maduro com isso que Harold Bloom chama de ‘angústia da influência’ (a qual, convenhamos, é bastante freqüente: mesmo os grandes escritores, com exceção talvez de Homero, já passaram por isso). Só pude vir a atender minimamente a essas exigências precisamente a esta altura da existência em que me aproximo da minha maioridade intelectual (as estatísticas mostram que os que fizeram a mesma profissão de fé que eu normalmente conquistam sua maioridade intelectual por volta dos 27 anos, e eu já estou quase lá); a esta altura da existência em que minhas engrenagens cerebrais começam aos poucos a se desprender dos fios que as ligam, como os fios que governam um fantoche, aos mestres do passado, a esta altura da existência em que posso perceber com nitidez a necessidade de não trair, por um lado, a herança desses mestres, nem trair, por outro, as valiosas lições fornecidas cotidianamente pela própria experiência. Sendo assim, nem posso negar minha filiação wildeana-rodriguesiana, nem posso negar, por outro lado, a responsabilidade de dizer algo que esses e outros vultos ainda não tenham dito. Afinal, qual será o mérito de um filho que não faz senão viver às custas da herança deixada pelo pai? É preciso investir com essa herança, duplica-la, triplica-la, a fim de que dela possamos ser dignos.
A legitimidade da responsabilidade de ir além dos gurus também pode ser constatada, neste caso, quando consideramos que o campo amoroso é inexaurível. Evidência disso é que escritores de todas as épocas nunca deixaram de falar do amor, pois sempre há algo novo a ser dito a seu respeito ou um modo novo de exprimir suas verdades universais. Eros não envelhece. Há quanto tempo se compõem canções de amor? Elas provavelmente continuarão sendo compostas enquanto houver humanidade (sei da dificuldade de sustentar essa tese em tempos de brega, funk e swingueira, mas, por enquanto, vou mantê-la assim mesmo, está bem?). E não obstante tudo quanto já tenha sido dito, muitas são as questões a serem pensadas e muitas as não respondidas (minhas amigas infelizes que o digam). Se Eros não envelhece nem morre, sua biografia está sempre por ser escrita e não faltará ocupação a quem pretenda ser cronista do amor de seu tempo.
Por fim, a responsabilidade de ir além dos mestres se evidencia pelo fato de que vivemos em tempos diferentes dos deles. Com efeito, não está mais em questão a moral vitoriana elegantemente satirizada por Wilde, nem se pode negar que o Brasil tenha mudado de figura de Nelson pra cá. Na época de Nelson era mais fácil ser polêmico (se bem que eu acho que ele conseguiria em qualquer época, mesmo em tempos, não duvido, de Sodoma e Gomorra); hoje, em tempos de uma moral mais imoral, dá um pouquinho mais de trabalho (mas vou tentar mesmo assim, juro). Com efeito, há algumas décadas atrás ainda havia uma preocupação sincera em camuflar as indecências que os homens sempre praticaram; hoje em dia isso tem diminuído e as rádios e as emissoras de tv aí estão para testemunhar o que digo. O obsceno agora está em cena. Pois bem, junto com as sociedades muda o amor. Se é verdadeiro que Eros não envelhece, também é igualmente verdadeiro que ele vive a mudar de figura de modo a se adaptar aos novos tempos. Eros anda na moda, meus amigos. O destino da raça humana é reinventar o amor e, quando este não puder mais ser reinventado, a existência terá se tornado insuportável. O amor foi uma criação genial dos homens para que pudessem se esquecer da dor de existir e é nosso dever assumir a tarefa de reinventa-lo com criatividade para que a sobrevivência da nossa espécie continue sendo possível.

E assim dou por encerrada, meus amigos, a justificativa e caracterização deste consultório. Na semana que vem oferecer-lhes-ei um primeiro texto, em que pretendo explicar satisfatoriamente a inegável predileção das mulheres por tipos cafajestes.

segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

O meu verso é o grito violento
Que dos fatos da vida faz assunto
Desde o fato infeliz do nascimento
Ao apodrecimento do defunto

Da agonia infernal do sofrimento
Ao prazer que, lhe anda sempre junto,
Da efemeridade do momento
Ao eterno universo em seu conjunto

Do acaso incerto ao destino
Desde aquilo que é falso ao genuíno
Da desventura do azar à sorte

Da existência iludida à dolorida,
Que o meu grito poético é a vida
A zombar do silêncio que é a morte.

Café

(para Abraão Cabral)

Teu vestido de porcelana fina,
Teus contornos de espumas delicadas,
Tua bruma que emerge enfeitiçada
A dançar entre estátua e bailarina...

Tua bruma congela-me a retina
E inunda o instante com teu cheiro,
Acendendo o desejo do primeiro
Gole a beijar a boca divina

Que tua pele volúvel busca ser.
És a líquida noite de prazer
Abrigando um calor que vem de alhures...

Quando alcanças por fim o paladar,
Mesmo o sono consente em se atrasar
Pra fazer com que o teu prazer perdure.
(para Carlinha Alencar)

Quem a vê emergindo sorridente
De lá de dentro d'água da piscina
Nem sequer imagina o que ela sente,
Nem sequer sente o que ela imagina,

Pois aquilo em que crê a retina
É propenso a enganar também a mente;
E se esquece da essência genuína
Quem se atém à imagem aparente.

Não oculta o pesar do seu presente
Quando nada, leve qual bailarina?
Quando inspira verdade ela não mente?

Dela nunca se sabe: se imagina...
Quem me dera que fosse transparente
Como a água que a banha na piscina.