segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

O meu verso é o grito violento
Que dos fatos da vida faz assunto
Desde o fato infeliz do nascimento
Ao apodrecimento do defunto

Da agonia infernal do sofrimento
Ao prazer que, lhe anda sempre junto,
Da efemeridade do momento
Ao eterno universo em seu conjunto

Do acaso incerto ao destino
Desde aquilo que é falso ao genuíno
Da desventura do azar à sorte

Da existência iludida à dolorida,
Que o meu grito poético é a vida
A zombar do silêncio que é a morte.

Café

(para Abraão Cabral)

Teu vestido de porcelana fina,
Teus contornos de espumas delicadas,
Tua bruma que emerge enfeitiçada
A dançar entre estátua e bailarina...

Tua bruma congela-me a retina
E inunda o instante com teu cheiro,
Acendendo o desejo do primeiro
Gole a beijar a boca divina

Que tua pele volúvel busca ser.
És a líquida noite de prazer
Abrigando um calor que vem de alhures...

Quando alcanças por fim o paladar,
Mesmo o sono consente em se atrasar
Pra fazer com que o teu prazer perdure.
(para Carlinha Alencar)

Quem a vê emergindo sorridente
De lá de dentro d'água da piscina
Nem sequer imagina o que ela sente,
Nem sequer sente o que ela imagina,

Pois aquilo em que crê a retina
É propenso a enganar também a mente;
E se esquece da essência genuína
Quem se atém à imagem aparente.

Não oculta o pesar do seu presente
Quando nada, leve qual bailarina?
Quando inspira verdade ela não mente?

Dela nunca se sabe: se imagina...
Quem me dera que fosse transparente
Como a água que a banha na piscina.
Quis fazer da existência a serenata
Que contigo eu cantasse num dueto
Combinando a beleza da sonata
Com a forma perfeita do soneto;

Mas se a vida o meu sonho desacata
E ao sonho a vida não submeto,
Deixo a trilha sonora tão exata
Confinada no mais distante gueto.

O meu sonho da vida se isola,
Já que esta nunca lhe foi fiel
E na ficção encontra sua guarida.

Uma idéia ao menos me consola:
Resta tentar deitar sobre o papel
O que não consegui fazer da vida.
Pra tocar a boca sua,
Quem me dera eu ser flauta
Ou pousar feito astronauta
No seu sorriso de lua!
Quem me dera andar na rua
De curvas de formosura
Que leva a boca tão pura...
Mas nem há vista que esqueça
Nem há cristão que mereça
Seus lábios de carne escura.


Ai se a mágica de tê-la
Me revelasse os seus truques...
Meu peito, que faz batuque
Com o simples fato de vê-la,
Faria até que as estrelas
Descessem para escutá-lo.
Co'as pancadas dos badalos
Inundando os céus azuis,
Nem dois mil maracatus
Iriam silenciá-lo!
Na estreiteza da sola
Na amplitude da sala
Na redondeza da bola
No pontiagudo da bala
Nas curvas linhas da mola
Nas linhas retas da mala
No vão da blusa sem gola
Na plena noite de gala

No falar solto que rola
No falar preso que rala
Na palavra que empola
Na palavra que empala
Na palavra que embala
Na palavra que embola

O sentimento que cola
O sentimento que cala
O sentimento de amá-la
O sentimento que amola
O laço certo de atá-la
O passo errado que atola
(A uma pianista encantadora)

Os seus dedos são feito bailarinas
A dançar sobre as teclas do piano
Suas mãos são um par de asas divinas
Coroando seus braços soberanos

Seu pescoço, torre de turmalina,
Toca-lhe o rosto, céu do capitólio,
Onde o riso de lua cristalina
Acompanha as estrelas dos seus olhos

Beleza quase sobrenatural,
À visão custa crer que é real
Muito embora a razão diga que seja

Obra-prima de graça e de esplendor
Pela qual o tempo, esse escultor,
Ao maior dos artistas causa inveja.
(para Sofia Beliza, minha irmã)


Quis compor pra Sofia um soneto
Com palavra que o meu Sentir não trai
Vem Sentir, mas a palavra não sai
Lá se vai o meu primeiro quarteto

Meu Sentir só sentindo se distrai
E se esquece de achar o verso certo
Do poema esquece o seu concerto
Meu segundo quarteto lá se vai

Sem palavra que lhe seja fiel,
Meu Sentir crer não caber no papel
Meu primeiro terceto finda assim

Se o que tinha a dizer não disse ainda,
Meu Sentir diz apenas que ela é linda
Antes que o meu soneto chegue ao fim
(A uma mocinha inconquistável... E perversa!)

Lá no alto da árvore jazia
A maçã - dentre todas a mais bela -
e eu, num gesto de extrema ousadia,
Escalei cada galho em busca dela,

Mas o fruto do galho não cedia
E eu caí e quebrei duas costelas;
E outras tantas costelas quebraria
Se pudesse ao final contar com ela.

Pensa nisso, maçã impiedosa,
Pois, se outra escalada perigosa
For preciso à minha empreitada,

De que vale se cederes ao fim
e encontrares no que sobrar de mim
Um coitado de costelas quebradas?
Ei-lo envolto no seu halo...
Pernas minhas, abram alas!
Que, se a sua voz se cala,
O meu desejo não calo.

Se não tem a voz de galo,
Que me dê noites de gala,
Pois, se lhe dispenso a fala,
Já não lhe dispenso o falo.

Que pense apenas: "Cravá-la
Co'a bruteza de um cavalo,
Com um vigor que avassala
Co'a servidão de um vassalo!"

Que não silencie o falo,
Silencie só a fala
E venha envolto em seu halo...
Pernas minhas, abram alas!
(para Amanda Spacca)

O desejo tirano que me inferna
É o desejo de ver-me no embaraço
Dos teus braços envoltos nos meus braços,
Minhas pernas envoltas nas tuas pernas.

Nossas línguas e peles tão vizinhas...
Sobre o palco do leito que flutua,
Tua carne envolvendo a carne minha,
Minha carne adentrando a carne tua...

Tal querer não aceita ser só sonho
Que alimento ao usar da mão a palma.
Se receias ceder ao que proponho

E não queres que em ti meu gosto encarne,
Por que vens invadir a minha alma
E impedir que eu adentre a tua carne?
(para Amanda Spacca)

Deita fora o pudor que te acabrunha
E te entrega ao desejo que tu sentes:
Vem rasgar-me com teus dentes e unhas,
Que eu te rasgo com as unhas e os dentes.

Deita fora depressa o teu pudor,
Que o pudor pra nós duas é cadeia;
Não esqueças que onde habita a dor
É também onde o prazer passeia.

Transcendentes valores, tão distantes
Deste mundo humano e deste instante,
Não possuem valor maior que a vida.

A moral que te tolhe, pois, ignora;
O pudor que te oprime deita fora,
Que este leito de gozo te convida!
(Para Manu Pombo)

Vem, penetra profundo os meus segredos,
Que estes dedos não suprem a tua falta;
Vem e salta ao fundo dos meus medos
E bem tarde e bem cedo vem e assalta.

Noite alta, regressa do degredo,
Que o degredo do dia me degrada;
Madrugada, não deixes que estes dedos
De brinquedo visitem tua morada.

Alvorada, não fique insatisfeito
Este leito que é teu e que governas:
Nestas cavernas entra com teu jeito,

Dando o efeito de encher bem as cisternas
Das eternas vontades deste peito
Sempre afeito às vontades destas pernas.
(para Pinho e todos quantos já brecharam quando menino)

Da janela eu a vi, noite passada;
Parecia estar prestes a dormir...
Calorenta que estava, e fatigada,
Encetou ansiosa a se despir.

Dos anéis e dos brincos se desfez
E eu atento a tudo observava...
E a calça e a blusa por sua vez,
Apressada, ao chão ela atirava.

Prestes a concluir o seu afã,
Encetou se livrar do sutiã,
Mas notou estar sendo observada:

Seu olhar nos meus olhos reparou.
Neste instante, a luz se apagou
E então já não pude ver mais nada.