sexta-feira, 13 de junho de 2008

Crônica de uma partida imortal

(Sei que ainda lhes devo, leitores, a segunda e a terceira partes do meu texto sobre a inegável predileção das mulheres por tipos cafajestes. Pagarei a dívida em breve, mas ocorre que o acontecimento histórico da última quarta obrigou-me a interpolar aqui a crônica desse evento inesquecível).

Quem esteve presente na ilha do retiro nesta última quarta-feira dia 11 de junho de 2008 para a ocasião do jogo imortal que concedeu ao Sport o título inconteste de campeão da copa do Brasil pôde sentir na pele que o tempo real de uma partida excede em muito o tempo oficial dos 90 minutos. Oficialmente, uma partida se inicia quando o árbitro apita, autorizando a saída da bola, mas nós, os leoninos implacáveis, sabíamos muito bem que, na realidade, a nossa final gloriosa contra o corinthians havia se iniciado desde o momento em que os portões se abriram e os torcedores puderam adentrar o estádio, pois à nossa torcida rubro-negra cabia o papel fundamental de preparar o palco da vitória, enfeitando-o com as cores, os cantos e os gritos do nosso time.


E como cumprimos maravilhosamente com o nosso dever! Tão alto era o nosso canto em uníssono que se fazia ouvir pelo Recife inteiro e além. Quando os nossos heróis entraram em campo, tantos foram os sinalizadores acesos que o estádio permaneceria iluminado ainda que se apagassem todos os refletores e as luzes todas da cidade. Em meio a nuvens de fumaça, tantas eram as chamas incandescentes, semelhantes a estrelas fulgurantes, que tínhamos a impressão de que a ilha do retiro havia se elevado aos céus para que Deus - que fez questão de avisar pessoalmente ao profeta Carlinhos Bala que o título seria nosso - pudesse contemplar o espetáculo torcendo também pelo Sport.

Pois bem, era este o cenário quando entrou em campo a grande protagonista da partida imortal: a bola! Sim, leoninos, quando a bola, de lá do centro do meio-de-campo pôde vislumbrar o esplêndido palco da vitória, ocorreu algo de singular que foi decisivo para o resustado: não resistindo ao apelo da multidão rubro-negra, a bola, abandonando toda a imparcialidade que lhe é característica, todo o seu profissionalismo costumeiro, decidiu que jogaria a favor do Sport. Éramos numericamente superiores não apenas na arquibancada mas também em campo, onde jogamos desde o início com doze jogadores, se contarmos com a bola recém convertida. Aquela bola, meus amigos, era dotada de tanto bom senso que se deixou imbuir de uma alma rubro-negra. Era impressionante como obedecia fielmente aos comandos da nossa torcida. Entre ela e os nossos gritos e apitos havia uma espécie de ligação magnética misteriosa, de modo que tanto podíamos, nos momentos mais críticos, repeli-la para longe da nossa barra como conduzi-la para as vizinhanças da barra do adversário. E a bola rubro-negra a tudo obedecia com a presteza maior que a de um cachorro adestrado.

Sei o quanto parecerá extravagante àqueles que se deixaram impregnar de uma visão excessivamente científica do mundo a minha tese da tendenciosidade da bola, mas gostaria de lembrar a tais pessoas que o futebol sempre esteve a contrariar as estatísticas, a lógica, os cálculos e também as leis da natureza. Futebol é pura mágica! Não adianta querer explicá-lo com base unicamente numa objetividade fria:um jogo tão apaixonante requer uma ótica apaixonada, uma interpretação mais sutil e mais sofisticada. Só assim poderemos compreender, por exemplo, a perca do gol de Herrera. Amigos, quem assistiu ao jogo sabe que nem uma velhinha de 80 anos deixaria aquela chance escapar. Sendo assim, não podemos ser ingênuos ao ponto de acreditar que um jogador corinthiano do nível de Herrera, que joga quase tão bem quanto um jogador genuinamente brasileiro, tenha chutado errado. Não. Definitivamente ele chutou certo; a bola salvadora é que desviou propositadamente da barra leonina.

Por fim, acho que o gol de Luciano henrique poderá dirimir quaisquer dúvidas acerca da validade da minha tese e persuadir mesmo os mais céticos e frios. Aliás, eu diria que apenas oficialmente é que o gol foi de Luciano Henrique, pois a realidade é que houve o esforço coletivo de um trio: ele, Enílton e a bola. De fato, o chute de Luciano foi um chute acanhado, tímido, desengonçado até. Apesar de ter sido um dos chutes mais importantes da história do futebol, não teria por si só força bastante para fazer a bola entrar, mas eis que Enílton se encontrava perto da barra fingindo que ia tentar cabecear quando seu propósito real era, na verdade, confundir e atrapalhar o goleiro corinthiano. Todavia mesmo assim, camaradas, isso ainda não teria sido suficiente para engabelar o experiente Felipe. Também não podemos ser ingênuos ao ponto de crer que tal goleiro tomaria aquele frangueiro ultrajante caso não houvesse a participação voluntária da bola heróica. Ela foi decisiva e tomou propositadamente o caminho da única brecha que encontrou, entre as pernas do goleiro. E observem que ela só ultrapassa em poucos centímetros a marca do gol, precisamente aqueles centimetrozinhos a mais que o chute de Luciano precisava imprimir à bola.

No segundo tempo, embora não tenham surgido novos gols, o empenho da bola foi tal que só mesmo um milagre explica que o corinthians não tenha sido goleado. Sendo assim, gostaria de prestar aqui a minha singela homenagem a essa grande heroína rubro-negra da qual os jornalistas do Brasil inteiro se esqueceram. Ela não merece ser excluída do panteão da história e, se eu fosse o técnico Nelsinho Batista, convocaria essa mesma bola para participar dos nossos próximos jogos. Com esse grande trunfo, não duvido de que venhamos a ganhar não apenas a copa Libertadores da América, mas também o campeonato mundial.

3 comentários:

Unknown disse...

Magno, eu nunca vi ninguém tão rubro-negro assim. Parabéns!!!!

amarelo disse...

Magno, eu nunca vi ninguém tão rubro-negro assim. [2x]

manu moema disse...

infelizmente tenho que discordar dos meus colegas acima...

Pois um rubro-negro ainda mais desesperado (pelo sport) não ousaria dividir um mínimo de mérito com a bola!

Mesmo assim - e talvez exatamente por isso - adorei a crônica.